terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Carlos Castr(ado)

Mais um crime passional, de contornos dantescos, veio alimentar, há uns dias, a imprensa (côr-de-rosa e não só), que tanto precisava de um "boost" económico.
Bem ao estilo português, os julgamentos morais vieram ao de cima,, provando uma vez mais, que estamos longe de uma sociedade justa e igualitária.
Felizmente, os norte-americanos estão a anos-luz de distância e não consideram que um homossexual de 60 anos mereça morrer porque se apaixonou por um rapaz de 21. Lá, a Justiça é célere e o tratamento dos juízes não se pauta pelo que "alguém merece". Antes, analisa os factos e julga criminosos e vítimas de forma objectiva.
Factos? Um homem foi brutalmente assassinado; o assassino, presumivelmente não premeditando o crime, teve o sangue-frio de praticar actos dignos de um argumento cinematográfico de Tarantino.
Aquilo que me importa aqui não é a defesa de um nem de outro, antes uma análise social do que se passou em seguida.
Parece que em Portugal é crime um homem, na casa dos 60 anos, apaixonar-se por um outro, mais novo. Parece que é a primeira vez em Portugal que um homem na casa dos 60 anos se apaixona por alguém mais novo. Curiosamente, outros homens idosos, em Portugal, são vistos como "grandes senhores" por manterem relacionamentos com mulheres mais novas. São, aliás, essas ligações uma "prova" da sua masculinidade de que "tudo" deve funcionar ainda em perfeito estado.
O que me "salta à vista" aqui é que alguém possa dizer que um assassino era uma pessoa "equilibrada", quando os actos são tão violentos e significativos, como um saca-rolhas num olho ou a castração genital, ainda que, supostamente, post-mortem.
Os motivos deste crime hediondo são ainda mais "justificáveis" e aceites, pois o objectivo do assassino era, pela castração, "retirar os demónios e os vírus" do corpo da vítima. Não faço aqui a defesa de ninguém, até porque não nutria uma especial simpatia por nenhum dos intervenientes e mantenho-me à margem dos acontecimentos televisivos e da "má língua". respeito-os e aceito que são modos de vida, mas não o meu.
Para mim, a castração genital tem sempre configurações de projecção mental. Vejamos o caso Bobbit, onde a mulher castrou o marido por "castigo" de infidelidade". Aqui, a castração é, para mim, uma projecção e agressão exterior ao que não consegue ser "digerido" interiormente.
O jovem, de 21 anos, para que não restem dúvidas sobre o facto de isto NÃO SER um caso de pedofilia (para quem não sabe, o crime de pedofilia é praticado por um adulto, sob forma de atracção sexual ou abuso, a uma criança pré-púbere ou com puberdade precoce), é um adulto, com personalidade (de)formada e sexualidade (in)definida. Com 21 anos, o acto de castração de outrem sugere a sua própria incapacidade de aceitação da sua (homo)sexualidade que, por falta de coragem de se agredir a si mesmo, age contra o objecto amado.
Não me cabe a mim especular obre o tipo de relação que a vítima tinha com o assassino e muito menos julgar um caso amoroso entre os dois.
O que me cabe a mim dizer é que, independentemente do tipo de relação que existiu e dos acontecimentos anteriores ao assassínio, ninguém merece morrer às mãos de outro! Ninguém tem o direito de tirar a vida a ninguém, seja por que motivo for. Ninguém tem o direito de julgar moralmente um ou outro, assassino ou vítima, desculpando ou acusando qualquer um deles, seja qual for a razão.
Aquilo que a mim me prova este caso, fazendo análise da sociedade portuguesa e não do caso em si, é que a homofobia continua a existir em muitas cabeças, é que a violência contra pessoas mais velhas continua a ser considerada impunemente, é que para esta sociedade, um homem maduro que se apaixona por um jovem é imediatamente julgado como pedófilo e, por isso, teve o que merecia e o jovem não é apelidado de gerontófilo nem julgado como podendo apaixonar-se por uma pessoa mais velha!
Para esta sociedade portuguesa, o jovem não teria discernimento nem força para contrariar as investidas sexuais de um "velho tarado"... pois viu-se a força que não tinha!
Recados? Só um: é altura de deixarmos de ser analmente complexados, é altura de respeitarmos as vidas uns dos outros, nas suas diferenças idiossincráticas, é altura de entendermos que as religiosidades moralistas e a falta de respeito que elas demonstram pelos demais (que não poderia estar mais longe da mensagem do próprio Cristo, quando nos pede "amai-vos uns aos outros como a vós mesmos") nos colocam exactamente na sociedade queiroziana do final do séc. XIX, sociedade essa que me envergonha e me faz ter vontade de renunciar ao meu país, ao meu povo e à minha língua.
No fundo, aquilo que me chateia é que um crime passional seja tão mediatizado e julgado pelas questões erradas, quase dando legitimidade ao assassino: um velho, homossexual, que se apaixona por um rapaz mais novo, bonito e que, com certeza, viu correspondidos os seus sentimentos. No fundo, aquilo que me chateia, é ver que as pessoas não são capazes de pensar por sua cabeça e se deixam levar pelo preconceito em vez de gritarem hinos à liberdade. Não será tempo de mudar???

"o país do Eça de Queiroz ainda é o país de todos nós" - Carlos Ary dos Santos

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